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A fotonovela como recurso para o desenvolvimento da escrita dramatúrgica e o debate de gênero junto aos alunos do 5º ano do fundamental 1

Escrito por Juliane Melo
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Escola Municipal Cabula 1
Cidade: Salvador BA
Nível de Ensino: Ensino Fundamental 1 - 5º ano
Contato: julianerosario@gmail.com

Este relato é fruto da experiência realizada junto aos alunos do 5º ano da Escola Municipal Cabula 1, no período de março e abril de 2019. A unidade escolar faz parte da Rede Municipal de Ensino de Salvador, atende 360 alunos em turmas de Fundamental 1 e EJA, e está localizada no bairro do Cabula, em Salvador, Bahia.

O debate sobre gênero nas escolas é imprescindível, uma vez que a sociedade determina estereótipos de gênero e a criança é fruto desse meio. A escola deve dispor de ambientes e profissionais que possibilitem a prática de valores de igualdade e respeito entre pessoas de sexos diferentes e permitam que a criança conviva com todas as possibilidades relacionadas ao papel do homem e da mulher.  De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil Formação Pessoal e Social:

Para que seja incorporada pelas crianças, a atitude de aceitação do outro em suas diferenças e particularidades precisa estar presente nos atos e atitudes dos adultos com quem convivem da instituição. Começando pelas diferenças de temperamento, de habilidades e conhecimentos, até as diferenças de gênero, de etnia e de credo religioso, o respeito a essa diversidade deve permear as relações cotidianas (BRASIL, 1998, p.41).

Assim, a proposta desenvolveu-se de forma interdisciplinar entre os componentes curriculares de Língua Portuguesa e Artes, nos quais o exercício de compreensão, interpretação, recriação e criação de textos em gêneros diversos possui grande importância. E, para os quais, o debate de gênero pode ser fonte para criação de textos e desenvolvimento de leitura de mundo. A parceria entre as matérias na unidade vem buscando vários recursos para o desenvolvimento dos educandos em diversas formas de expressão, dentre elas nas linguagens escrita e teatral.

Segundo Deise Silveira (2014)  apud Hernández (2007) e Nimmon (2014),  a fotonovela é um gênero textual  defendido como um ótimo meio de ensino aprendizagem por ser uma mistura de gêneros, incluindo a novela, a fotografia, o desenho e a história em quadrinhos. Permitindo portanto, o contado dos alunos com essas quatro expressões artísticas, além de transformar a consciência da história, do social, da política e ideologias. Assim, propusemos uma sequência de atividades, em quatro encontros de duas horas aula cada, com o objetivo final de produção de fotonovelas com a temática de gênero protagonizadas pelos alunos.

OBJETIVO GERAL

Estimular o desenvolvimento da escrita dramatúrgica e o debate de gênero a partir da criação de fotonovelas junto aos alunos do 5º ano A e B da Escola Municipal Cabula 1, Salvador - BA.

 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

- Estimular a criação de roteiros para fotonovelas a partir de jogos teatrais e improvisos com temáticas ligadas a questão de gênero;

- Instigar os alunos a pesquisarem sobre fotonovelas como uma prática artística quase extinta no país e valorizarem suas possibilidades criativas;

- Fomentar o desenvolvimento de uma sensibilidade para a fotografia artística, viabilizando a percepção acerca das questões do enquadramento e iluminação;

- Viabilizar a criação coletiva e, a partir dela, o desenvolvimento de competências, habilidades e valores necessários a convivência e tarefas em grupo;

- Promover o exercício da escrita de diálogos e estruturação de narrativas a partir deles, viabilizando por fim, a compreensão da estrutura dramatúrgica no desencadeamento das ações e estabelecimento de conflitos;

- Possibilitar a experiência de visibilidade destes educandos na unidade, a partir de uma obra artística em que são protagonistas em todas as etapas, partilhando, assim, a obra com a comunidade escolar.

O PROCESSO

Para a realização dessa proposta, partimos da observação das dificuldades dos estudantes em interpretação de textos, assim como sua escrita. Segundo Pacheco e Ataíde (2013), novas formas de ensinar, com metodologias diferenciadas, no sentido de promover o envolvimento e o interesse do aluno pelo texto, poderão contribuir para a promoção de uma leitura crítica do aluno, fazendo-o interpretar textos, formar sua própria opinião. Tornando, desta forma, mais efetivas as suas produções escritas e promovendo um discurso mais coerente e significativo. Buscamos, então, diversos modelos atividades para minimizar tais dificuldades retomando a relação de prazer com o aprender da leitura e escrita de textos.

Uma vez que, em anos anteriores, realizei a atividade de construção de narrativas a partir de colagens com fotos de revistas, já sabia das possibilidades deste recurso de estimular a compreensão do processo de estruturação dramatúrgica (o que; onde; quem; conflito).  Atividades nas quais inserem-se as questões do o quê, onde e quem são sugeridas nas propostas de Viola Spolin (2005; 2006) como fundamentais para que o aluno organize e comece a compreender a estrutura das improvisações e dos textos teatrais. Segue, então a sequência de atividades desenvolvidas no processo.

A primeira aula envolveu jogos tetrais e improvisações fomentados pelo debate acerca das dificuldades de ser menina e menino. Os exercícios buscavam explorar as diferenças entre corpos de meninas e meninos a partir da imaginação do uso de elementos impostos pela cultura de gêneros como roupas e calçados, atividades e gestos que se supõe de uso de mulheres ou homens. Debates em improvisações cênicas foram estimulados a partir de frases que impõe uma forma de se comportar tais como “meninos não choram” ou “meninas são frágeis”. Por fim, o uso do jogo cênico “quadros” estimulou a criação de roteiros pelos grupos. Na atividade os alunos se posicionam em relação ao outro em cena e em relação ao tema e, dado o sinal, ‘descongelam’ desenvolvendo a improvisação. São lembrados de se perguntar quem são os personagens, onde estão, o que está ocorrendo, o conflito e seu desfecho. Estes dois os últimos termos são adaptados para compreensão da faixa etária como “problema” e “solução”.

Na aula seguinte, as improvisações criadas foram trazidas registradas pelos alunos, com falas escritas a partir de sua lembrança. Pesquisas sobre fotonovelas também já haviam sido solicitadas. Em grupos, reescreveram o texto final ajustando o local para sala de aula, e, se necessário, as características dos personagens e a forma como o conflito se desenvolvia. Nesta aula, um estudo do material do livro didático e exibição de vídeo disponível no youtube sobre o tema complementaram a compreensão do conteúdo.

Esboços de cenas foram preparados e fotos foram tiradas na terceira aula. Na quarta aula, com as fotos impressas, colagens e montagens foram feitas em papel metro e exposta nos corredores da unidade escolar.

 OS RESULTADOS

Como resultados foram construídas cenas improvisadas acerca da temática de gênero, pesquisa e exercícios sobre a fotonovela como gênero narrativo e estabelecida sua possibilidade como forma de gerar o entendimento da estrutura dramatúrgica. Foram criadas cinco fotonovelas, a partir do tema de gênero que se expandiu até a questão de preconceitos quanto a cor da pele. “Que cabelo é esse, menina?”, “Preconceito, não!”, “Meninos fracos e fortes”, “Meninas devem ser unidas”, “Respeitem as mulheres da nossa vida” são os títulos das obras.

No processo os alunos entraram em contato com as questões acerca de enquadramento para fotografias e escolhas para o favorecimento da iluminação. Foram orientados nestes pontos e fizeram reflexões a respeito. As fotos foram tiradas a partir do celular e seus recursos puderam ser conhecidos como possibilidades para o dizer e fazer artístico. Gerando interesse na atividade fotográfica e seus caminhos.

Na aula de avaliação foi debatida a proposta e os alunos expressaram suas sensações e entendimento do processo. As questões de relação para produzir a obra, o trabalho em grupo, foram postas em pauta. Os alunos apresentam dificuldades em dialogar, trocar ideias e opiniões de forma assertiva, em geral, são agressivos e terminam por desistir da tarefa necessitando mediação constante do professor.

Por fim, com um notebook e projetor montamos uma pequena mostra destes trabalhos editando em power point, para que vissem novas possibilidades de montagem. Este trabalho deverá ser preparado para expor na unidade e em evento anual de atividades pedagógicas da regional Cabula.

 A AVALIAÇÃO

O resultado da atividade foi satisfatório para equipe, uma vez que atingimos o objetivo de retomar o prazer por parte dos alunos em atividades de aprendizado de leitura e escrita. Na avaliação final registrou-se que algumas equipes não conseguiram concluir suas atividades e se redistribuíram em outros grupos. Os alunos consideram que alguns títulos não apresentaram solução, mas entenderam, após a explicação, a ideia de desfecho e mostram-se satisfeitos com os resultados. Afirmaram sentir-se valorizados e reconhecidos pelos colegas de outras turmas pela construção dos textos e pelas fotos em que apareciam como personagens:

 Pró, eu fiquei um tempão explicando o que eu estava fazendo naquela história, o personagem lá...pro aluno do 1º ano (Aluno 5ºA).

De fato, durante os dias de exposição vários alunos da unidade paravam para ler e observar as fotos, perguntando para mim quando fariam um trabalho parecido ou dizendo ter gostado da história e que o colega parecia outra pessoa ‘famosa’. O que evidencia a visibililidade e o protagonismo que ansiávamos proporcionar nesta atividade.

 REFLETINDO SOBRE O TRABALHO

Eu sempre fico chateada porque os meninos falam do meu cabelo”.  (Aluna 5º A)

“Pró... os meninos ‘abusam’ porque são mais fortes e ganham no futebol, mas eu tiro notas melhores. Sou bom na escola. Cada um é bom diferente, né?” (Aluno 5º B)

“Minha mãe foi mesmo assaltada. Eu queria ir lá e dizer pra ele (o bandido) se fosse um homem ele não tinha empurrado ela no chão” (Aluno 5º A)

“As meninas deviam ser mais unidas. Ficam disputando por causa dos meninos e das coisas... acho besteira isso”. (Aluna 5º A)

A partir dessas falas produzimos cenas, roteiros e, por fim, as fotonovelas. Nos corpos e gestos estas falas ganharam vida e ganharam sentido para estes alunos. Perceberam que protagonizaram seu discurso, eram suas falas nos personagens que construíram.  Foram capazes de explicar de forma natural, apenas porque transitam pelos corredores o significado daqueles trabalhos expostos.

Numa turma de 30 a 35 alunos, em torno de 25 se envolveram ativamente em alguma etapa do processo. Ainda encontramos resistência, em especial, na etapa de escrever o roteiro, realizar pesquisas ou de estar atento a explicação sobre o conteúdo, mas o interesse e o prazer promoveu aprendizagens.

Acreditamos que a atividade cumpriu com seus objetivos e possibilita desdobramentos, ganhando futuramente caráter de projeto. Imagino que transformar essas cenas e roteiros de fotonovela em peças teatrais escritas pode ser um caminho para dar continuidade ao desenvolvimento de aprendizagens nas linguagens escrita e teatrais.

 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

 BRASIL, Ministério da Educação e do desporto. Secretária de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil: formação pessoal e social. Brasília: MEC/SEF, 1998. v. 2. p. 20.

PACHECO, Rosimeri dos Santos  e ATAÍDE, Antonio Marcio. Dificuldades de Interpretação de Textos na Escola - Propostas Metodológicas Para a Superação Desse Problema: Trabalhando com Fábulas e Mitos. In: Os Desafios da Escola Pública Paraense Cadernos PDE. Volume 1, 2013. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2013/2013_unioeste_port_artigo_rosimeri_dos_santos_pacheco.pdf

SILVEIRA, Deise da Fonseca Schneider da. A Fotonovela como Meio de Produção Textual no Contexto Escolar. In: Os Desafios da Escola Pública Paraense Cadernos PDE. Volume 1, 2014. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2014/2014_unespar-paranagua_lem_artigo_deise_da_fonseca_schneider_da_silveira.pdf

SPOLIN, Viola. Jogos teatrais: o fichário de Viola Spolin. Tradução de Ingrid Dormien Koudela. 2ª ed. – São Paulo: Perspectiva, 2006.

SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. [tradução e revisão Ingrid D. Koudela e Eduardo José de A. Amos]. 5ª ed. – São Paulo: Perspectiva, 2005.

 

Recursos Didáticos

Novo Pitanguá: Arte 5º ano/ Organizadora a Editora Moderna; obra coletiva concebida, desenvolvida e produzida pela Editora Moderna; editor responsável André Camargo Lopes -1ª Ed- São Paulo: Moderna, 2017, p.84-86.

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